Split Payment: O Dia em que o brasileiro vai finalmente ver quanto paga de imposto
A Transparência Fiscal que Faltava
Durante décadas, empresários brasileiros conviveram com uma realidade contraditória: enquanto arcam com complexas obrigações acessórias e conhecem profundamente a carga tributária embutida em suas operações, o consumidor final permanece alheio ao real peso dos impostos que paga.
Essa disparidade está prestes a ser rompida com a implementação do Split Payment na Reforma Tributária.
Minha tese é objetiva: o Split Payment transcende sua função técnico-arrecadatória para se tornar um acelerador de uma mudança cultural profunda na relação entre sociedade, Estado e tributação no Brasil.
A Revelação do Custo Real ao Consumidor
É provável que grande parte da população ainda não tenha compreendido as implicações práticas da Reforma Tributária, particularmente do Split Payment.
Permita-me ilustrar com clareza: imagine um cliente em uma pizzaria que, ao consultar o cardápio, visualiza uma pizza de calabresa por R$ 50,00. Ele possui apenas esse valor disponível em seu cartão. No momento do pagamento, a máquina debita R$ 62,50 de sua conta. Automaticamente, R$ 12,50 são direcionados ao Fisco e R$ 50,00 ao estabelecimento.
Este exemplo representa uma revolução na percepção tributária nacional. Pela primeira vez, o contribuinte visualizará, em tempo real, a segregação entre valor do bem ou serviço e tributo incidente. A alíquota de 26,5% do IVA (IBS + CBS), antes diluída invisivelmente no preço final, passa a ser evidenciada em cada transação.
Nós, empresários, sempre soubemos exatamente quanto de tributo está embutido em nossos produtos e serviços. Calculamos, planejamos, recolhemos. Lidamos diariamente com essa realidade. Contudo, o consumidor final foi historicamente mantido distante dessa informação. A percepção comum de “não pago impostos porque ganho pouco” deriva justamente dessa invisibilidade dos tributos indiretos sobre o consumo.
O Split Payment vai acabar com essa cortina de fumaça. Pela primeira vez, o consumidor brasileiro verá, transação por transação, quanto do seu dinheiro vai para os cofres públicos.
E posso garantir: o susto será imenso, aquele lanche de R$ 30,00 pode facilmente se transformar em R$ 38,00 na sua tela. Aquela roupa de R$ 100,00 pode virar R$ 126,50 no débito do cartão. E você vai perceber, com clareza, que praticamente um terço do que você gasta não fica com quem produziu ou vendeu o produto, mas vai direto para o Estado.
Essa transparência forçada é, na minha opinião, o aspecto mais revolucionário e potencialmente transformador do Split Payment.Não é somente os impactos técnicos para empresas, os desafios de fluxo de caixa ou das integrações tecnológicas necessárias. Estou falando de algo muito mais profundo: a conscientização política de uma nação.
Quando o cidadão comum começar a ver, todos os dias, quanto de imposto paga em cada compra, surgirão perguntas inevitáveis: “Por que é tão alto?” “Para onde vai esse dinheiro?” “Estou recebendo serviços públicos proporcionais ao que pago?” “Quem decidiu que eu deveria pagar 26,5% de imposto?”
Essas perguntas vão transformar o debate público, vão pressionar políticos a justificar gastos, vão exigir transparência na aplicação dos recursos, vão fazer com que a discussão orçamentária saia das páginas especializadas e entre nas rodas de conversas, nas mesas de jantar, nas redes sociais e muito mais.
A experiência americana demonstra que sociedades com elevada consciência tributária desenvolvem cultura de fiscalização mais rigorosa sobre o uso de recursos públicos. Nos Estados Unidos, o debate orçamentário recebe atenção comparável a eleições presidenciais, precisamente porque os cidadãos têm clara percepção de quanto contribuem.
No Brasil, discussões orçamentárias permanecem restritas a círculos especializados, enquanto a população mantém-se alheia, em grande parte pela invisibilidade histórica dos tributos sobre consumo.
Uma Nova Era de Responsabilidade Fiscal Cidadã
O Split Payment representa o mais significativo movimento de transparência tributária da história brasileira. Ao tornar visível o que sempre esteve oculto nos preços finais, o sistema propicia condições inéditas para amadurecimento do debate fiscal nacional.
Para o empresariado, essa mudança pode inicialmente gerar desconforto operacional e financeiro, como amplamente documentado. Contudo, do ponto de vista da construção de uma sociedade mais consciente e participativa, os benefícios potenciais são substanciais. Uma população que compreende verdadeiramente sua contribuição tributária tende a cobrar mais qualidade, eficiência e transparência dos gestores públicos.
O verdadeiro legado do Split Payment possivelmente não será medido apenas em eficiência arrecadatória ou redução de sonegação. Seu impacto mais profundo pode residir na formação de uma cultura de responsabilidade fiscal cidadã no Brasil. O momento em que o brasileiro deixar de afirmar “não pago impostos” e passar a questionar “pago impostos elevados, mas recebo contrapartida adequada?” marcará um salto qualitativo na maturidade democrática nacional.
A transparência tributária, mesmo gerando desconforto inicial, constitui fundamento essencial de qualquer democracia desenvolvida. O Split Payment, independentemente de seus desafios operacionais, oferece essa oportunidade ao Brasil. Cabe à sociedade, empresários incluídos, aproveitar esse momento para elevar o patamar do debate sobre Estado, tributação e responsabilidade fiscal no país.
Raul Tulio – Contador, Advogado, Tributarista.
Cuiabá-MT, 28 de Outubro de 2025.